segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Sentença condenatória. Caso da Insulina. Homicidio Culposo.

PROCESSO Nº 1.051/97.

AUTORA: JUSTIÇA PÚBLICA.

RÉ:           SOLANGE NASCIMENTO DE ALMEIDA.

                

                

 

 

 

                                               SENTENÇA

 

                                    VISTOS ET COETERA.

 

                  

                       O Representante do Ministério Público, em 14 de julho de 1997, no uso de suas atribuições, lastreado em Inquérito Policial, apresentou denúncia contra SOLANGE NASCIMENTO DE ALMEIDA,  qualificada na peça proemial, incursando-a nas sanções do  Artigo 121, § 3º e 4º c/c Artigo 71, caput, todos do Código Penal Pátrio.

                    Narra a peça imputatória que a denunciada no período de 23 de abril a 06 de maio do ano de 1997, na Unidade Municipal de Saúde Santina Falcão, onde era responsável pela aplicação de vacinas, aplicou doses de insulina ao invés de vacina DPT, em diversas crianças, levando à óbito seis delas.

                    Diz, ainda, que os genitores dos menores procuraram aquele serviço de saúde, para submeterem seus filhos ao calendário de vacina, donde  naquela oportunidade receberiam as dosagens da vacina D.P.T. ( Tríplice ) e Antipólio, compatível com suas idades, só que, apesar dos inúmeros anos de prática profissional, a denunciada em total descaso na observância das regras técnicas, aplicou dosagens do medicamento insulina, em níveis elevadíssimos, levando à óbito seis crianças num lapso de tempo de dois a três dias.

                   Petição de habilitação dos representantes legais dos Assistentes do Ministério Público às fls. 542, com deferimento do pleito, após concordância Ministerial às fls. 565.

                  

                  Antecedentes criminais da acusada às fls. 564, sem registro.

                   Perícia toxicológica procedida pelo I.M.L. no material colhido nas exumações dos cadáveres às fls. 574/577 e fls. 615/620.

                   Interrogatório da acusada realizado no dia 15 de setembro de 1997, às fls. 580/581.

                   Defesa prévia às fls. 583/597, alegando nulidade da ação penal por lhe faltar comprovação da materialidade delitiva, requisito essencial ao recebimento da denúncia, e ainda, aplicação prática do instituto da suspensão condicional do processo.

                   Promoção Ministerial às fls. 603/610.

                   Vislumbra-se às fls. 622/625, despacho do Dr. Felippe Augusto Gemir Guimarães, rejeitando por completo as teses suscitadas pela acusada em defesa prévia, dando prosseguimento ao feito.

                   Audiência de oitiva das testemunhas de acusação às fls. 631/642.

                   Audiência para declarações das testemunhas arroladas pela defesa às fls. 683/687, e 807/808.

                   Vislumbra-se às fls. 716, respostas do Diretor do I.M.L. a quesitos elaborados pelo juiz de então.

                   Na fase do Art. 499, as partes nada requereram. O prazo para requerer diligência nesta fase, corre em cartório, independentemente de intimação.

                   Alegações finais do Ministério Público às fls. 812/823, pugnando pela condenação da acusada nas penas do Art. 121, parágrafos 3º e 4º c/c Art. 71, todos do C.P.

                   Alegações finais da defesa às fls. 835/841.

 

                   É O RELATÓRIO QUE SE IMPÕE.

                   JULGO.

                  

 

                   " Sê justo: antes de mais nada, verifica, nos conflitos, onde está a justiça. Em seguida, fundamenta-a no Direito" ( Juan Carlos Mendonza ).

 

                   Tudo foi regularmente processado, não havendo diligência a ser cumprida, nem irregularidade a ser sanada. O processo foi regularmente instruído, tendo sido observadas todas as formalidades, assegurando-se o devido processo legal e, sobretudo, a oportunidade para ampla defesa da ré.

                   Enfrento as  preliminares materializadas pela defesa em sua peça de alegações finais.

                   Os ilustres Advogados de defesa, de início protestam por um possível cerceamento de defesa, quando o juiz do feito por ocasião da defesa prévia não atendeu a quatro pedidos de informações indispensáveis  ao esclarecimento dos fatos, no entanto nada requereram por ocasião da fase do Art. 499 do CPP, ocasião adequada para o pleito, ou ainda, não recorreram da decisão interlocutória do Dr. Felippe Augusto Gemir Guimarães, quando rejeitou por completo as teses suscitadas pela acusada em defesa prévia. Vejamos a decisão do juiz in verbis :

 

" Despacho.

Vistos, etc ...

Solange Nascimento de Almeida, denunciada como incursa nas sanções do Art. 121, §§ 3º e 4º, c/c Art. 71, caput, do Estado Punitivo Pátrio, por seus advogados, apresentou a DEFESA PRÉVIA de fls. 583/597, onde em síntese alegou nulidade da ação penal por lhe faltar comprovação da maternidade delitiva, requisito essencial ao recebimento da denúncia, e, ainda aplicação prática do instituto da suspensão condicional do processo.

Sobre tal peça defensiva, manifestou-se o Ministério Público através da promoção de fls. 603/610, que por sua judicialidade, deve ser acolhida in totum.

É que, in casu,  não enxergo ser a lide temerária ou leviana, muito menos que o feito tramite de forma abusiva ou ao arrepio da lei.

Nesse passo, suscita a defesa prévia que os laudos periciais insertos nos autos não identificam a materialidade do delito imputado, razão pela qual inexistente o nexo da causalidade entre a ação e o resultado, e portanto, justa causa ao recebimento da denúncia. Diz, ainda, com base nos Arts. 158 e 564, III, "b", do Código de Processo Penal, que quando a infração deixar vestígios, como é o caso dos autos, será indispensável  o exame de corpo de delito, sob pena de nulidade.

Sobre essas primeiras alegações, apesar do brilhantismo e do notável saber jurídico dos cultos defensores, sou obrigado a rechaçá-las. Não discordo de tais alegações, apenas entendo que as mesmas não se coadunam com a hipótese estudada. Verdade é que quando a infração deixar vestígio, indispensável se fará o exame de corpo de delito, direto ou indireto. Entretanto, como bem disse o zeloso representante do Ministério Público, esqueceram-se os doutos advogados de observarem a ressalva feita no Art. 564, III, "b", do CPP, quando se refere ao Art. 167, o qual leciona que não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta. É, assim, o caso dos autos, pois, todos os exames e perícias realizadas ao longo do presente álveo cognoscitivo concluíram pela ausência o desaparecimento dos vestígios do crime, sem que isso signifique que tenha havido culpa de qualquer dos órgãos de persecução penal. É, então, de se considerar que tais perícias foram todas realizadas em cadáveres putrefatos, razão pela qual, conforme reiterados ensinamentos médicos acostados nos autos, se fez impossível ser identificada a presença de insulina ou de quadro hipoglicêmico.

Aplica-se aqui o retro citado Art. 167. Não vejo, assim, qualquer nulidade, pois ao arrepio da lei seria o não recebimento da denúncia. Por sucedâneo, infere-se válido plenamente o exame de corpo de delito indireto, vez que se verificam desaparecidos os vestígios materiais do crime.

Válida é, inclusive, a prova testemunhal. Nesse sentido, tem entendido o STF que nos delitos materiais, de conduta e resultado, desde que desaparecidos os vestígios, a prova testemunhal pode suprir o auto do corpo de delito direto ( RECrim 85.089, DJU 19.11.76, p. 10033 ). Assim, deixando vestígios o delito, é necessário o exame de corpo de delito direto ( CPP, Art. 158 ); desaparecidos os vestígios, é admissível a prova testemunhal supletiva ( STF, RHC 52.809, DJU 17.10.74, p. 7670 ). Como decidiu o TJSP, é "da jurisprudência e do bom-senso comum que se deve dispensar perícia direta, sempre que sua realização não mais seja possível por haverem desaparecido os vestígios da infração, embora hajam ele, de começo, existido" ( RT 528/311 ).

Trago, ainda, à ilação, o seguinte aresto  jurisprudencial:

 

" É certo que o corpo de delito direto pode ser suprido pelo indireto, que se realiza por intermédio da prova testemunhal. Duas são, porém, as condições imprescindíveis: a) é indispensável que os vestígios tenham desaparecido; b) a prova testemunhal deve ser uniforme e categórica, de forma a excluir qualquer possibilidade de dúvida quanto à existência dos vestígios" ( Heleno Cláudio Fragoso, Jurisprudência Criminal, São Paulo, 1979, II/495, n.º 221 ).

Nesse sentido: TARS, ACrim 293.040.267, JTARS 88/99; TASC, RvCrim 2.370, JC 69/543.

Com essas primeiras considerações, desacolho a perseguida nulidade argüida pela Defesa.

Passo, agora, a enfrentar  a também perseguida suspensão condicional do processo.

Reza o Art. 89 da Lei n.º 9.099/95:

 

" Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena ( Art. 77 do CP )."

Inconformada pela não propositura de tal instituto pelo Ministério Público, insurge-se a defesa alegando ser ele cabível à hipótese litigada.

Novamente, peço vênia para discordar do entendimento dos célebres advogados de defesa. No bojo de sua bem elaborada defesa preliminar, alegaram eles que ao crime tipificado no Art. 121, § 3º do Código Penal, cuja pena mínima em abstrato é de 01 (um) ano, é perfeitamente aplicável o instituto da suspensão condicional do processo. Até que concordo, entretanto, esqueceram eles que a peça proemial acusatória de fls. 02/10, imputa à acusada a prática da conduta delitiva prevista no Art. 121, §§ 3º  e 4º, c/c Art. 71, do Código Penal. Aliás, não esqueceram, afirmaram que o §  4º citado não é aplicável ao caso ( fls. 591/592 ). Lamento, mas, como disse, discordo. Também não estou afirmando que tal dispositivo realmente se aplica à hipótese, entretanto, como estamos apenas no início da instrução criminal, não poderia agora fazer tal assertiva, sob pena de estar, inclusive, fazendo pré-julgamento da causa. Assim, somente quando da sentença é que poderia fazer tal análise. Então, momentânea é a tipificação do delito imputado nos exatos termos do Art. 121, §§ 3º e 4º, c/c Art. 71 do Código Penal, e sobre ela deve ser referida a possibilidade ou não de ser aplicada a suspensão condicional do processo, ressalvando-se que tal propositura deve ser feita pelo Órgão Ministerial.

Nesse contexto, ao delito em julgamento não se aplica o Art. 89 da Lei n.º 9.099/95, porquanto, o mínimo da pena aplicada em abstrato ultrapassa de 01 (um) ano. Aliás, mesmo que hipoteticamente não considerássemos a aplicação do aludido § 4º, só o aumento da pena  em virtude de tratar-se o caso de crime continuado, já ficaria ela abstratamente em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de detenção, portanto, fora  dos limites da aplicação da suspensão do processo. Volto aqui, também, a mencionar que não poderia  este Julgador desconsiderar os comandos do Art. 71 do Código Penal  porquanto fora de tempo, o que só seria analisado no momento da sentença.

Só por tais fundamentos, inaplicável já é o instituto da suspensão do processo. Entretanto, além desse requisito objetivo, temos também de considerar os requisitos subjetivos, notadamente, como bem disse o Doutor Promotor de Justiça, no que se refere ao elevado grau de culpa, de censurabilidade  e das conseqüências do delito, sem que isso implique em pré - julgamento. Nessa ótica, caso confirmada, verifica-se culpabilidade extrema em circunstâncias de acentuada reprovabilidade, vez que tratando-se a ré de uma enfermeira acostumada a vacinar crianças, deixou de observar as devidas cautelas do ofício.

É o quanto basta.

POSTO ISTO, considerando ainda como fundamento deste decisum, as judiciosas exortações ministeriais de fls. 603/610, que aqui deixo de transcrever por economia processual, REJEITO POR COMPLETO as teses suscitadas pela acusada em sua defesa prévia de fls. 583/597, dando-se, assim, prosseguimento ao feito".

          

                   Ainda, alerta a defesa para diligências requeridas e não cumpridas na fase da instrução, no entanto mais uma vez calou por ocasião da fase do Art. 499 do CPP. Ademais, vejamos o que leciona HÉLIO TORNAGHI, em seu Curso de Processo Penal:

 

" ... igualmente ao réu, no momento em que oferece a defesa prévia, é dado solicitar diligências ( Art. 399, fine ).

                            Mas, também, terminada a inquirição das testemunhas, as partes, primeiramente o Ministério Público ou o querelante, dentro de 24 horas, e depois sem interrupção, dentro de igual prazo, o réu ( ou réus ) poderá requerer diligências, cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou de fatos apurados na instrução, subindo logo os autos conclusos para o juiz tomar conhecimento do que tiver sido requerido pelas partes. Como se vê, as diligências que podem ser pedidas nesta fase do procedimento são apenas aquelas " cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução " .

 

                    Apesar de fazer referências genéricas a diligências não cumpridas, a defesa não disse quais diligências, não as especificou.

                   Não se discute a importância do devido processo legal, aliás, garantia constitucional de todo cidadão, conforme estampa o inciso LIV, do Art. 5º da Constituição Federal; dentro dele o princípio do contraditório, que representa  a segurança da plenitude da defesa, também prevista na Constituição Federal, mesmo artigo e inciso, na alínea "a", tais dispositivos são desdobramentos normais de uma constituição que tem no seu cerne, a dignidade da pessoa humana.

                   Em momento algum tais pressupostos deixaram de ser observados.

                   O Juiz de Direito deve está atento a garantia constitucional da liberdade de ir e vir que tem o réu; mas também é na mesma fonte que vai encontrar o direito que têm as vítimas de viverem. Apanágios, ambos da dignidade da pessoa humana.

                   Os meus antecessores estiveram atentos, não houve cerceamento de defesa, se alguma diligência pudesse negar a autoria e materialidade do crime, bem como o nexo de causalidade, que fosse requerida na fase já referida,  no entanto, se essa diligência servisse apenas para procrastinar o feito, buscando uma possível prescrição, certamente seria indeferida a sua realização. A defesa nada requereu.

                   Outrossim, a douta defesa requereu que tudo o que foi dito na defesa prévia ficasse fazendo parte das alegações finais, o que exime este julgador a analisar as questões ali suscitadas posto que já foram rechaçadas pelo meu antecessor.

                   Alega a defesa que a acusada tem em seu favor a presunção da inocência dizendo in verbis :

 

"... a acusada tem em seu favor a presunção da inocência, coisa que ainda não é bem assimilada pelos operadores do direito, acostumados a utilizar um Código de Processo Penal de 57 anos passados, de época ditatorial – 1941 – sem levar em conta o contido na constituição de 1988. É que o uso do cachimbo faz a boca torta... se os atestados de óbito – documento oficial de diagnóstico e não de prognóstico da morte, dizem ser a causa-mortis indeterminada, e negativas as perícias tanatóscópicas para substâncias contidas no corpo do laudo, então chega-se a uma conclusão: os médicos forneceram documentos graciosos e falsos e os peritos esconderam a verdade. Então que se processem todos por falsidade documental e falsa perícia... por que só a acusada ? "

 

                   Ora, é evidente que a defesa está se referindo ao nexo de causalidade entre as mortes e a conduta da acusada, e que não ficou determinada a causa-mortis, se foi a aplicação da doses de insulina ou outra causa superveniente e independente. Não houve defesa com relação a se colocar em dúvidas a aplicação das doses de insulina em crianças, até porque as vacinas D.P.T. haviam sido recolhidas e no local das mesmas estavam as insulinas, e a enfermeira ré assumiu que aplicou as doses de  insulina pensando que fossem as vacinas, posto que, se não mais existiam vacinas, o que foi aplicado mesmo foi insulina.

                   Vislumbra-se às fls. 21/25 no boletim diário de produção ambulatorial, de responsabilidade da denunciada e assinado pela mesma, o nome das crianças que morreram, e ali se vê que no procedimento, narra-se a aplicação de vacinas, Pólio e D.P.T.

                   O C.P. adotou a teoria da equivalência dos antecedentes causais, também denominada teoria da conditio sine qua non. Por ela, tudo o que concorre para o resultado é causa, tenha agido isoladamente ou não. A doutrina ensina que todos os antecedentes causais merecem relevância, uma vez que não pode excluir qualquer elemento de que depende a produção do resultado. VON BURI afirma não ser possível distinguir entre condições essenciais e não essenciais ao resultado, sendo causa do mesmo todas as forças que cooperem para a sua produção, quaisquer  que sejam. Para se saber se a ação ou omissão é causa do resultado, basta, mentalmente, excluí-la da série causal. Se com a exclusão o resultado teria deixado de ocorrer, é causa. É o denominado procedimento hipotético de eliminação de THYRÉN.

                  

                  

                    

 

                   A materialidade do delito está inserta no laudo de fls. 06, 52, 53, 56, 59, 62, 66, 96, 102, 141, 150, 151, 329, 230, 331, 332, 333, 334, 335, 336, 337, 338, 339, 574/577 e 615/620.

                   A autoria está delineada nos autos, posto que a prova testemunhal aponta a acusada como autora dos fatos narrados na peça exordial, ainda, em seu interrogatório, a denunciada assume o ato criminoso, se não vejamos:

                    

"... que com aquela  vacina, fez aplicação em 32 (trinta e duas) crianças, que não leu o rótulo dessa vacina... que não sabe informar se as crianças vacinadas morreram no mesmo dia ou com o passar dos dias... que por estar aplicando estas vacinas há 18 anos, não tem o costume de ler os rótulos, ou checar as vacinas antes de aplicá-las ... que após o ocorrido não procurou os parentes das vítimas e nem foi por eles procurada. Que não procurou se desculpar ou reparar os danos do ocorrido... que nenhuma outra pessoa aplica ou aplicou vacina no hospital." Fls. 580/582.

 

"... que numa quarta-feira não se recordando a data exata, tomou conhecimento através de uma paciente sua, que duas crianças que haviam tomado vacina nesta cidade estavam apresentando problemas de saúde, um ou dois dias depois de terem sido vacinadas... que foi informada que tal criança havia tomado a vacina Tríplice nesta cidade ... que tais crianças haviam sido vacinadas pela acusada... que a criança atendida por Dr.ª Sineide, e que havia sido internada no hospital de Surubim, faleceu na madrugada do dia seguinte, tendo ele depoente assinado atestado de óbito... que no dia seguinte tomou conhecimento da morte de mais uma criança na zona rural, a qual também havia sido vacinada com DPT pela acusada... que não sabe informar os sintomas ou a causa da morte desta criança... que por terceiros, também tomou conhecimento da morte, digo, de problemas também tidos por outras crianças após terem sido vacinadas com DPT pela acusada... que não sabe informar quais sintomas apresentaram tais crianças... que se recorda que na primeira semana faleceram três ou quatro crianças, e na mesma seguinte faleceram  mais duas, todas após terem sido vacinadas com DPT pela acusada... que procurando saber com outros médicos sobre os sintomas que crianças na faixa etária das vítimas, apresentariam uma vez sendo vacinadas com insulinas, tomou conhecimento que houve compatibilidade dos mesmos com quadro que apresentou as vítimas... que não tem conhecimento de que tais crianças tenham falecido por outro motivo que não pela aplicação de insulina nas mesmas..." Dr. Roberto Edno de Miranda Rios.  Fls. 631/633.

 

"... que na mesma ocasião em que atendeu a criança, também chegou uma outra que foi atendida pela Dr.ª Sineide... que essa outra criança apresentava um quadro gravíssimo, com convulsões e parecendo estar inconsciente... que não sabe informar detalhes sobre o quadro dessa outra criança, tendo em vista que não foi ela que a atendeu... que essa segunda criança ficou internada no Hospital de Surubim por não ter condições de ser removida para outra cidade, tendo ela vindo a falecer... que essa outra criança também, havia sido vacinada com DPT nesta cidade... que na ocasião não se falava ainda da troca de DPT por Insulina... que crianças na faixa etária das vítimas caso ministradas com Insulinas, podem apresentar um quadro de sonolência, letargia, podendo também apresentar um quadro neurológico com convulsões..." Dr.ª Bernadete de Lourdes Austregésilo de Medeiros.  Fls. 633/634.

                   O nexo de causalidade é patente, as crianças que faleceram, sem exceção, tomaram "vacinas" com a acusada, e de acordo com a reação natural de cada organismo, viajaram aos braços do Grande Arquiteto,  outras reagiram e sobreviveram.

                   Vejamos:

                   A acusada, apesar de ter conhecimento da devolução de todo o lote de DPT ( tríplice) à IV DIRES, ao abrir a geladeira de vacinas observou a existência de vidros parecidos com os das vacinas e sem ler os rótulos das ampolas passou a aplicar doses de insulina nas crianças.

                   O parecer fornecido pelos doutores Gustavo Caldas e Amaro Gusmão, Presidentes do Comitê de Endocrinologia Pedriátrica de Pernambuco e da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional de Pernambuco, respectivamente, às fls. 377/378 dos autos, é esclarecedor sobre os efeitos da insulina no organismo humano, principalmente em crianças, demonstrando que os sintomas apresentados pelas vítimas estão relacionados à hipoglicemia, ocasionada pelo uso indevido de insulina.

                   Observemos trechos do parecer, fls. 377/378:

 

                   " A insulina quando utilizada de maneira inadequada, ou seja, utilizada em doses elevadas pode produzir hipoglicemia  ( quando a glicose cai abaixo de 50 mg/dl ). Quando esta glicose está baixa no sangue, existem sintomas como aumento do suor  (sudorese), palidez, aumento da freqüência cardíaca (sintomas relacionados ao sistema nervoso autônomo) e sintomas relacionados a falta de glicose no sistema nervoso central tais como convulsão, irritabilidade, distúrbios do comportamento e visuais. Quando esta hipoglicemia é muito severa pode levar a convulsões especialmente em crianças, assim como o coma hipoglicemico e a morte ..."

                                E continua mais adiante:

 

"... A hipoglicemia tem um caráter agudo produzindo o seu efeito de baixar a glicose no sangue no período de minutos a horas dependendo do tipo de insulina utilizada. Em se 01 hora após sua aplicação com pico de ação de 4-10 horas e duração da ação até 18 horas após a sua aplicação...".

                   Observa-se que os sintomas da hipoglicemia, relatados pelos médicos através do parecer acima citado, coincide com os sintomas apresentados pelas vítimas e descritos por seus genitores - pessoas simples e sem qualquer grau de instrução, que sequer tinham conhecimento do que estava ocorrendo com seus filhos - bem como coincide com o relato dos médicos que atenderam as crianças que chegaram a ser hospitalizadas.

 

         Portanto, há nos autos provas mais que suficientes de que as vítimas faleceram devido a hipoglicemia (queda da taxa de glicose no sangue), causada pela alta dose de insulina aplicada pela ré, a qual, apesar de ter pleno conhecimento de que todos os lotes da vacina DPT  (tríplice) haviam sido devolvidos à IV DIRES, agiu negligentemente ao se deparar com frascos semelhantes ao da referida vacina e, sem sequer ler o rótulo, passou a utilizar a vacina nas crianças que chegavam aquele posto médico.

 

         As perícias toxicológicas, de fls. 574 usque 575, 617 e 618 dos autos, apresentaram resultados negativos para as substâncias pesquisadas, posto que o material recolhido dos corpos das vítimas para análise (as vísceras) já se encontravam em estado de decomposição.

 

         E, conforme consta no parecer de fls. 377/378, " a hipoglicemia é difícil de diagnosticar na autopsia em decorrência das mudanças metabológicas post mortem (1)." " Não sendo possível fazer-se a dosagem de glicose ou insulina em cadáver, fls. 716."              

 

         Apesar do delito apurado não estar relacionado entre as infrações penais que deixam vestígios ( Art. 158 do CPP ), a falta de exame de corpo de delito direto, in casu, não traz qualquer prejuízo para a comprovação da materialidade, posto que a prova testemunhal carreada aos autos, corroborada com os pareceres médicos e demais documentos, e ainda a confissão da ré, tudo em uníssono, é suficiente para demonstrar a materialidade, formando, assim, o corpo de delito indireto, plenamente aceito em nosso sistema processual penal ( Art. 167 do CPP ).

 

         Nos ensina o mestre Mirabete " que não há qualquer formalidade  para  a  constituição  do  corpo  de delito indireto, normalmente revelado por prova testemunhal. O Juiz deve  inquirir a testemunha sobre a materialidade do fato e suas circunstâncias, e a palavra dela bastará para firmar o convencimento do julgador de acordo com o princípio da livre apreciação".  ( Processo Penal, 4ª edição, pág. 270 ).

        

         Tal assunto já fora devidamente debatido nos autos.

        

         Trazemos alguns julgados a seguir:

 

         " É da jurisprudência e do bom senso comum que

         se deve dispensar perícia direta, sempre que sua

         realização não mais seja possível por haverem

         desaparecido os vestígios da infração, embora

         hajam eles, de começo, existido" ( RT 528/311).

 

         " O exame de corpo de delito é suprível por prova

         testemunhal ( Art. 167 do CPP ), não havendo

         nulidade se a falta do laudo não impede a prova

         do fato pelo outro meio de prova" ( RT 564/400 ).

         No mesmo sentido, STF: RT 575/479, RTJ

         89/110; STJ: RSTJ 39/222; TJSP: RT 550/272;

         e outros.

 

         " Ausência do exame necroscópico da vítima:

         irrelevância, dado que a sua morte resultou

         demonstrada mediante outras provas" ( STF : RT

         705/426 ).

 

         " O corpo de delito, na clássica definição de João

         Mendes, é o conjunto dos elementos sensíveis do

         fato criminoso. Diz-se direto quando reúne

         elementos materiais do fato imputado. Indireto

         se, por qualquer meio, evidencia a existência de

         acontecimento delituoso. A Constituição da

         República resguarda serem admitidas as provas

         que não forem proibidas por Lei. Restou, assim,

         afetada a cláusula final do Art. 158, CPP, ou

         seja, a confissão não ser idônea para concorrer

         para o exame de corpo de delito. No processo

         moderno, não há hierarquia de provas, nem

         provas específicas para determinado caso. Tudo

         o que lícito for, idôneo será para projetar a

         verdade real. No caso concreto, além da

         confissão houve depoimento de testemunha" ( STJ : RT                                 694/390 ).

        

         Diante da fundamentação supra, vislumbra-se comprovada a materialidade do delito, bem como o nexo de causalidade entre a conduta da acusada com as mortes referidas.

         Culpa é a inobservância do dever objetivo de cuidado manifestada numa conduta produtora de um resultado não querido, objetivamente previsível.

         A estrutura do tipo de injusto culposo é diferente da do tipo de injusto doloso: neste, é punida a conduta dirigida a um fim ilícito, enquanto que no culposo pune-se a conduta mal dirigida, normalmente, a um fim penalmente irrelevante, quase sempre lícito. O núcleo do tipo de injusto nos delitos culposos consiste na divergência entre a ação efetivamente realizada e a que devia realmente ter sido realizada, em virtude da observância do dever objetivo de cuidado.

         A culpabilidade nos crimes culposos tem a mesma estrutura da culpabilidade dos crimes dolosos: imputabilidade, consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de comportamento conforme ao direito.

         O tipo de injusto culposo apresenta os seguintes elementos constitutivos: inobservância do cuidado objetivo devido; produção de  um resultado e nexo causal; previsibilidade objetiva do resultado; conexão interna entre desvalor da ação e desvalor do resultado.

         A acusada por displicência no agir, falta de precaução, podendo adotar as cautelas necessárias, não fez, não teve a observância do cuidado objetivo devido.

         Houve produção de um resultado, qual seja, a morte das criança, e um nexo causal, já analisado.

         Ao aplicar as vacinas sem ler os rótulos nas ampolas a acusada assumiu um risco na produção de um resultado previsível.

         O desvalor da ação está representado pela inobservância no cuidado objetivamente devido e o desvalor do resultado pela lesão ou perigo concreto de lesão para o bem jurídico.

         A alegação da ré de que os vidros de INSULINA estavam ocupando o mesmo local destinado às vacinas DPT, não diminui em nada a sua culpa. Eis que, tendo a mesma conhecimento da devolução de toda vacina DPT à IV DIRES, pelo fato de haver suspeita que estavam causando a morte de algumas crianças em outros Estados da Federação, deveria a ré, por um cuidado mínimo, ter se certificado se aquele medicamento que estava na geladeira se tratava da vacina DPT ( tríplice ), e se estava apto para ser utilizado nas crianças. Mas, ao invés destes cuidados, a ré, sem ler o rótulo do medicamento e sem certificar da chegada de outro lote  da vacina DPT ( tríplice ), passou a aplicar nas crianças as injeções de INSULINA que estavam na geladeira do Posto de Saúde.

         Saliente-se que a ré fez a aplicação de INSULINA em 32  (trinta e duas) crianças, conforme podemos observar pelos Boletins Diários da Unidade Mista, acostados às fls. 19 usque 35 dos autos, ou seja, por 32  (trinta e duas) vezes a ré pegou o vidro de INSULINA da geladeira, sugou o líquido na seringa, guardou o restante, e aplicou a injeção nas crianças. E em nenhuma das 32 (trinta e duas) vezes a ré teve o cuidado de ler o rótulo ou de certificar se aquele medicamento estava apto a ser utilizado. Observe-se, ainda, que os fatos ocorreram num período de quase um mês, e a conduta da ré só foi paralisada quando a morte das crianças levantou a suspeita em pessoas estranhas ao seu ambiente de trabalho, as quais se dirigiram ao Posto de Saúde e, ao primeiro olhar, se certificaram que as crianças estavam recebendo doses de INSULINA, no lugar da vacina DPT (tríplice).

                   Com relação a majorante do Art. 121 parágrafo IV  é de se observar que a denunciada há 18 anos, como ela mesma informou no seu interrogatório, saía para trabalhar no Centro de Saúde local onde sempre aplicava vacinas em crianças, sendo este seu único serviço no Hospital.

                   No homicídio culposo, a pena é aumentada de um terço,

se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício. A acusada deixou de observar regra técnica de sua profissão, capitulado inclusive no código de ética dos profissionais de enfermagem em seu Art. 24  que relaciona os deveres do profissional de enfermagem, qual seja, o dever de prestar a clientela uma assistência de enfermagem livre dos riscos decorrentes de imperícia, negligência e imprudência.

                            Qualifica-se o homicídio culposo a circunstância de o fato ter sido praticado pelo sujeito por inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício. Não se confunda com a imperícia, que indica inabilidade de ordem profissional, insuficiência de capacidade técnica. Na qualificadora o sujeito tem conhecimento da regra técnica, mais não a observa.

                            A qualificadora só é aplicável a profissional, uma vez que somente nessa hipótese é maior o cuidado objetivo necessário, mostrando-se mais grave o seu descuprimento. Quando se trata de profissional de enfermagem, o grau de censurabilidade da inobservância do dever de cuidado  não vai além do que normalmente se exige para a existência do crime culposo.

                            Peço vênia para discordar do nobre causídico, quando afirma em defesa prévia, que é inaplicável ao caso a qualificadora, afirmando que o aumento de pena por inobservância de regra técnica de profissão, é a própria negligência.

                            Ora, a culpa, segundo a teoria finalística da ação, constitui  elemento do tipo. As formas de culpa encontram-se previstas no Art.18, II do CP. Em sendo assim, a negligência é uma forma de culpa, e a inobservância de regra técnica de profissão, é qualificadora do tipo, cuja  forma se materializa com a negligência.    

                   Nossos Tribunais têm assim decidido:

 

                   " A circunstância majorante do Art. 121,

                   parágrafo 4º, 1ª parte , não se confunde

                   com a imprudência, imperícia ou a negligência.

                   Estas são modalidades da culpa, situadas na

                   topologia  estrutural do delito, no tipo. Já a

                   inobservância de regra técnica importa em

                   maior reprovabilidade da conduta, seja qual for

                   a modalidade (reprovabilidade), juízo de valor

                   que incide sobre o autor. Daí a distinção que os

                   doutores estabelecem entre imprudência ou

                   imperícia e a inobservância de regra técnica.

                   Seja a culpa decorrente de qualquer das três

                   modalidades legais, pode a punição do autor ser

                   agravada pelo plus decorrente de especial

                   reprovabilidade no agir sem cautelas" (TARS-

                   AC – Rel. Perboyre Starling  - RT 435/402 ).

 

                   " A agravante do parágrafo 4º do Art. 121 do CP tão

                   só ocorre quando o agente tem um conhecimento

                   técnico, porém deixa de empregá-lo, por indiferença

                           ou leviandade" ( TACRIM – SP – AC- Rel. Camargo                       Aranha – JUTACRIM 56/263 ).

 

                            DO CRIME CONTINUADO.

 

                            Diz o Art. 71, CP:

 

                            Crime continuado.

Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

 

Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do Art. 70 e do Art. 75 deste Código.

 

                            É chamado também, continuidade delitiva. É uma ficção jurídica, visando impedir apenamentos muito exacerbados.

                            Ocorre quando o agente, através de mais de uma conduta, comete dois ou mais delitos da mesma espécie, idênticos ou não.

                            In casu, a pluralidade de ações, pluralidade de crime da mesma espécie, unidade de tempo, lugar e maneira de execução, além de certa ligação para os crimes, consideram-se havidos como continuação do primeiro.

                            Conforme podemos observar, através das Certidões de Óbito de fls. 53, 56, 59, 62, 96 e 102 dos autos, 06 (seis) crianças faleceram em decorrência da conduta delituosa da ré, configurando, pois, o DELICTUM CONTINUATUM, previsto no Art. 71, caput, do Código Penal.

                            A redação do Art. 71 do Código Penal, autoriza o reconhecimento indistintamente mesmo em se tratando de crimes que atingem bens personalíssimos, bastando a existência de requisitos objetivos para o reconhecimento em crimes da mesma espécie com vítimas diferentes. Sendo este o entendimento de nossos Tribunais em reiteradas decisões:

                            " Em se tratando de continuidade delitiva, nosso

                            Código Penal adotou a teoria objetiva pura,

                            portanto o que se exige para considerar o crime

                            como continuando, além de ser da mesma espécie,

                            é que, pelas condições de tempo, lugar, maneira

                            de execução e outras semelhantes, possa se

                            considerar os subseqüentes como mera

                            continuação do anterior, não se exigindo a

                            presença do elemento subjetivo" ( TACRIM – SP-

                            RA – RJTACRIM 31/27 ).

 

                            " A nova legislação penal ( Art. 71, parágrafo

                            único, do CP, com redação da Lei 7.209/84 )

                            admite a possibilidade de reconhecimento de

                            crime continuando nas hipóteses de crimes contra

                            a vida praticados contra vítimas diferentes"

                            ( TJSP- AC – Rel. Diwaldo Sampaio – RT 624/290 ).

 

                           

                            "Para a configuração do delictum continuatum,

                            na moldura do Art. 71 do Código Penal, além da

                            pluralidade de ações e do nexo temporal e

                            circunstancial, exige-se a homogeneidade dos

                            delitos" ( STJ Resp. 19.763-0 – Rel. Vicente Leal –

                            DJU de 24.06.1996, p. 22.821 ).

 

                            Assim, o caso dos autos adequa-se  aos requisitos exigidos para a configuração do crime continuado, posto que temos várias condutas praticadas pela ré, no mesmo local de trabalho, que resultaram na morte de 06 (seis) crianças, num espaço de tempo de menos de um mês, e todas pautadas na negligência e inobservância de regra técnica de profissão.   

                           

                            Diante das razões expendidas julgo procedente a denúncia e por via de consequência condeno a ré SOLANGE NASCIMENTO DE ALMEIDA como tendo incorrido nas sanções do Art. 121, § 3º, em continuidade delitiva, conforme o Art.71, além de aplicar-lhe a causa especial de aumento de pena prevista no parágrafo 4º do Art.121, todos do Código Penal Pátrio.

 

                            DOSIMETRIA E FIXAÇÃO DA PENA.

 

                            Adotando o critério trifásico, de Nelson Hungria, conforme se infere do Art. 68, CP, na apreciação das circunstâncias judiciais do Art. 59 do CP, no que se refere a culpabilidade, verificando o grau de censura da ação da ré, no que se refere a violação do cuidado objetivo, foi em grau elevado, posto que trata-se de vidas humanas. A acusada é tecnicamente primária, não tendo ficado revelado nos autos disposição criminosa da mesma. A conduta social é boa, conforme prova testemunhal. Os antecedentes psíquicos da ação, a força propulsora da vontade atuante não foram verificados, até porque trata-se de delito culposo. As circunstâncias que cercaram a prática da infração penal militam em favor da ré. As conseqüências do crime foram de maior gravidade, ocasionando dano moral as famílias das vítima e o maior alarma social. As vítimas não contribuíram para a facilidade da ação criminosa.

                            Assim, fixo-lhe a pena base do crime tipificado no Art. 121, § 3º, em 01 (um) ano e 03 (três) meses de detenção, tendo em vista existir circunstâncias judiciais desfavoráveis à acusada. Não existem circunstâncias atenuantes favoráveis à ré. Face a agravante do Art. 61, "h"  (contra criança) aumento a pena para 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção. Sendo crime em continuidade delitiva, aumenta a pena de ½ (metade) ficando em  02 (dois) anos e 03 (três) meses de detenção. Face a inobservância de regra técnica de profissão, ex vi, Art. 121, § 4º, aumento a pena de um terço, ficando definitivamente dosada a pena em 03 (três) anos de detenção.

 

                            Face a Lei nº. 9.714/98, que alterou a dicção do Art. 43 e 44 do Código Penal de 1940, substituo a pena privativa de liberdade aplicada pela seguinte pena restritiva de direitos, ex vi, Art. 44, I, já referido, bem como por ser um direito subjetivo da denunciada, por satisfazer os requisitos de ordem subjetiva previstos na lei penal:

 

I-                          Interdição temporária de direitos, prevista no Art. 43, V, do Código Penal, tendo em vista que a agente praticou o delito no exercício de sua atividade profissional. A ré fica proibida, pelo período de  03 (três) anos, de exercer profissão, atividade ou ofício relacionada com a enfermagem;

II-                       Prestação pecuniária, prevista no inciso I do mesmo artigo penal. A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro aos ascendentes das vítimas fatais, no valor de 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos, cuja quantia deverá ser dividida em 06 (seis) partes iguais, id est, cada família deverá receber o valor correspondente a 60 (sessenta) salários mínimos.

                            Condeno ainda a ré ao pagamento das custas processuais, por força do Art. 804 do C.P.P.    

 

Procedam-se as comunicações de estilo.

 

                              Publique-se, registre-se e intimem-se.

 

                              Santa Maria do Cambucá, 30 de abril de 1999.

 

 

                                       Dr. Idílio Oliveira de Araújo.

                                             Juiz de Direito.

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