quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Aula de Processo penal 1

  1. Considerações preliminares.

1.1. O Jus puniendi

O Estado é o regulador de condutas, e o faz através do Direito.

No campo penal, só o Estado tem o direito de punir ( jus puniendi ) e o faz através do processo penal.

1.2. O jus puniendi versus o jus libertatis.

Com a prática de um crime, surge um conflito de interesses entre o direito subjetivo de punir do Estado ( jus puniendi in concreto ) e o direito de liberdade do autor da infração  ( jus libertatis ).

Esse binômio direito de punir ou pretensão punitiva e direito a liberdade , mesmo que não resistida é a LIDE PENAL.

Pois bem, a lide penal deve ser solucionada pelo Estado, que detém o poder de punir, a pretensão punitiva, que somente pode ser exercida tendo como instrumento o DIREITO DE AÇÃO ( jus persequendi ou jus persecutionis )

 

Em síntese:

Com o Fato típico  surge a pretensão punitiva que se opõe ao direito de liberdade do autor da ação ou omissão.

O Estado só poderá perseguir a punição através da ação penal.

A ação penal é a peça inicial do processo penal

E o devido  Processo penal é o meio de compor os litígios penais.

 

1.3. Processo Penal

Segundo Mirabete, O Processo penal é o conjunto de atos cronologicamente concatenados, submetidos a princípios e regras  jurídicas destinadas a compor as lides de caráter penal.

1.4. Atos investigatórios.

Para que o Estado apresente a ação penal é necessário atividades investigatórias consistente em atos administrativos da polícia judiciária, o que é feito através do inquérito policial.

Em síntese:

Fato típico>>>> inquérito policial>>>>ação penal>>>>>processo penal>>>>sentença

 

  1. Sistemas Processuais.

2.1.SISTEMA INQUISITIVO.

Características:

- Juiz acusa, defende e julga.

- A denuncia pode ser feita de forma secreta.

- Procedimento secreto não admitindo o contraditório nem ampla defesa.

- Prisão preventiva é regra.

- Decisão jamais transita em julgado.

 

2.2.SISTEMA ACUSATÓRIO.

Características:

- Investigação afeta a um órgão do estado.

- Presunção de inocência.

- Admite o contraditório e ampla defesa.

- igualdade das partes.

- Liberdade do acusado é regra.

- Sentença faz coisa julgada.

2.3. MISTO.

Aqui o processo penal comporta uma parte inquisitória e outra a acusatória.

No Brasil, como o Processo penal inicia com o recebimento da denúncia pelo Juiz, o sistema é o acusatório, permitindo-se a ampla defesa.

  1. Princípios processuais penais.

Princípios servem de base para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito. Notadamente em Direito processual penal, a sua não observação acarretará em nulidade do ato.

3.1. Princípio do devido processo legal.

"Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal"( art. 5º, LIV da CF).

3.2. Princípio do juiz natural

"Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" ( art. 5º LIII-CF).

Estabelece o direito do réu de ser julgado por um juiz PREVIAMENTE determinado por lei e pelas normas constitucionais, ou seja, a nomeação de um juiz  ou a constituição de um tribunal , após a pratica de um delito, especialmente para julgar o seu autor, será ilegal, por ferir o princípio do juiz natural e criar um juízo de exceção.

 

3.3. Principio da presunção de inocência "OU DO ESTADO DE INOCÊNCIA" ou da não culpabilidade..

De acordo com o art. 9º da Declaração dos direitos do homem e do Cidadão, de 1789, toda pessoa se presume inocente até que se tenha sido declarado culpada, preceito reiterado no art. 26 da Declaração Americana de direitos e deveres, de 5-5-1948,e no art. 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.

Entre nós, a Constituição Federal não "presume" a inocência a inocência, mas declara que " Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória". ( art. 5º, LVII).

Na verdade, em decorrência desse princípio, o réu não tem o dever de provar sua inocência, cabe ao acusador comprovar a sua culpa, e ao juiz, bastando uma dúvida, mesmo que remota, a respeito da culpa do réu, absolver ( IN DUBIO PRO REO).

Outra observação importante é o fato de que a presunção da inocência permite o direito ao silêncio do acusado, impedindo que as pessoas sejam obrigadas a se auto-acusar.

Hodiernamente, o STF tem concedido o direito ao silêncio aos investigados nas CPIs.

 

 

 

 

3.4. Principio da ampla defesa e do  contraditório.

No processo acusatório, é o contraditório que assegura a ampla defesa.O acusado goza do direito de defesa sem restrições num processo em que deve estar assegurado a igualdade das partes.

O princípio do contraditório quer dizer que a toda alegação fática ou apresentação de provas, feita por uma parte, tem a outra o direito de se manifestar.

Outro ponto relevante da ampla defesa é a possibilidade e auto defesa, ou seja, pode o réu , em narrativa direta ao juiz, no interrogatório, levantar as teses de defesa que entender cabíveis. Estas , por sua vez, por ocasião da sentença, devem ser analisadas pelo juiz, sob pena de nulidade.

Observemos esta decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, citada por Guilherme de Souza Nucci em seus Comentários ao Código de Processo Penal:

"Todas as teses defensivas levantadas, mesmo em auto defesa, devem ser enfrentadas no ato sentencial, sob pena de nulidade" ( Ap.70008337206,5ª.C.03.08.2004.)

3.5. Principio da verdade real.

Com o princípio da verdade real, se procura estabelecer que o jus puniendi somente seja exercido contra aquele que praticou a infração penal e nos exatos limites de sua culpa.

A verdade real, difere da verdade processual, pois naquela, não deve haver limites para que a verdade apareça.

No direito brasileiro, a verdade real não vige em toda a sua inteireza. Vejamos:

a)      Não se permite que, após uma absolvição transitada em julgado, seja rescindida, mesmo que surjam provas concludentes contra o agente.

b)      A transação é permitida.

c)       Existem várias causas de extinção da punibilidade que podem impedir a descoberta da verdade real .v.g. decadência, prescrição.

3.6. Principio da publicidade.

A publicidade é uma garantia para o indivíduo e para a sociedade decorrente do próprio principio democrático.

A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou do interesse social o exigirem ( art. 5º LX).

Ainda CF, no art. 93, IX – todos os julgamentos dos órgãos do poder judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos , às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes , em casos nos quais a preservação do direito à intimidade  do interessado no sigilo, não prejudique o interesse público à informação.

Assim é constitucional:

a)      O art. 792 § 1º do CPP – " se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de oficio ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes.

b)      A retirada do réu da audiência quando o juiz verificar que a sua presença poderá influir no ânimo da testemunha, de modo que prejudique  a verdade do depoimento ( art. 217 do CPP).

c)       O sigilo dos registros da reabilitação após o cumprimento ou extinção da pena ( art. 202 da LEP).

d)      No inquérito policial , de natureza inquisitória necessária às investigações policiais , a autoridade policial deve assegurar o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade( art. 20 do CPP).

 

ATENÇÃO!

Existem vários outros princípios que serão analisados oportunamente no contexto de suas aplicações.

  1. FONTES DO DIREITO PROCESSUAL PENAL.

Fonte é aquilo de onde provém algo. No direito significa tudo aquilo de onde provém um preceito jurídico.

São fontes do processo penal as que criam o direito ( fontes materiais) que são:

1.       A União ( art.22,I,CF) e,

2.       Excepcionalmente o Estado Membro ( art.22, § único, 24,IV,X e XI, CF).

 

 

E  as fontes que tornam conhecido o direito ( fontes formais), que são:

1.       Leis.

2.       Tratados e convenções internacionais.

3.       Costumes.

4.       Analogia

5.       Princípios gerais do direito

 

  1. Aplicação do direito processual penal.

 

A lei processual penal tem aplicação imediata e aplica-se desde logo, evidentemente sem prejuízos dos atos praticados sob a vigência da lei anterior.( é o princípio do efeito imediato)

A lei processual penal brasileira não é retroativa, porém, sendo o caso de lei mista ( penal e processual penal) , aplica-se a ela os princípios que regem o direito penal, notadamente o da retroatividade.

E o que é uma lei mista?

Vejamos:

Existem normas que abrigam naturezas diversas, de caráter penal e de caráter processual penal.

São normas penais as que versam sobre os crimes, a pena, a medida de segurança, os efeitos da condenação e , de um modo geral, o jus puniendi ( vg , extinção da punibilidade).

São normas processuais as que regulam o processo, desde o seu inicio até o final da execução ou da extinção da punibilidade.

 

Observemos um exemplo:

A lei 9099/95 é uma lei mista , pois traz em seu bojo , normas penais, como exemplo crimes de menor potencial ofensivo e normas processuais, como a representação, a suspensão condicional do processo.

 

A lei processual penal é aplicada em todo o território nacional ( art. 1º caput do CPP).

 

 

  1. INQUÉRITO POLICIAL.

 

 O inquérito policial é um ato administrativo que busca elucidar  a autoria e materialidade de um fato definido como infração penal.

Serve de base para a proposição da ação penal, mas não é essencial para esta.

O art. 27 do CPP dispõe que qualquer do povo pode provocar a iniciativa do MP fornecendo-lhe por escrito , informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os meios de convicção.

O art. 39,§ 5º , e art. 46,§1º, acentuam que o órgão do MP pode dispensar o inquérito.

O STF( RTJ 64/363, 76/741)  já decidiu que tendo o titular da ação penal em mãos elementos necessários ao oferecimento da denúncia ou queixa, o inquérito é perfeitamente dispensável

.

                                                                                                     Pedido de arquivamento

                                                                                                     Pedido de novas diligências

policia

MP

 


 NOTITIA CRIMINIS                                          Inquérito policial

                                                                                       

                                                                                                          Denúncia

 

6.1.Policia .

A polícia como órgão da administração responsável pela segurança pública, divide-se em :

1.       Polícia preventiva.( responsável pela segurança ostensiva)

2.       Polícia judiciária. ( órgão investigativo, apesar de não exclusivo, pois outros órgãos administrativos podem investigar, vg. Inquérito parlamentar, inquérito policial militar, ministério público )

6.2.Poder de polícia.

É um conjunto de atribuições da administração pública , indelegáveis aos particulares , tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas , naturais ou jurídicas, a ser inspirado nos ideais do bem comum, e incidentes não só sobre elas, como também em seus bens e atividades .

6.3. Características do inquérito policial.

 

  1. Discricionariedade.  ( ou seja, a policia pode atuar dentro dos limites impostos pela lei);
  2. Procedimento escrito , por determinação do art. 9º do CPP que dispõe: " todas as peças do inquérito policial serão num só processado, reduzido a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade".
  3. Sigiloso. O art. 20 do CPP dispõe: " a autoridade assegurará no inquérito, o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade".

Com relação ao advogado, este só pode ter acesso ao inquérito policial quando possuir procuração e, decretado o sigilo em segredo de justiça, não está autorizado sua presença a atos procedimentais diante do principio da inquisitoriedade.

Não há dúvidas  de que o Advogado poderá, se o seu cliente estiver preso, não só consultar os autos do inquérito, mas também peticionar, devendo a autoridade policial, fundamentadamente deferir ou não. ( art. 5º LXIII).

  1. Obrigatoriedade e indisponibilidade em caso de crime de ação penal pública. Neste caso, a autoridade policial não poderá, em nenhuma hipótese, arquivar os autos.

 

 

6.4.  INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO - 

Existem varias formas de instauração de inquérito, no entanto, antes, é necessário que o aluno saiba diferenciar os crimes de ação penal publica incondicionada, de ação penal publica condicionada e os crimes de ação penal privada. Vejamos:

 

  1. Crimes de ação penal publica incondicionada.

São aqueles em que não existe nenhuma condição para o oferecimento da ação penal, que é ofertada pelo Ministério Público.

E como é que sabemos que o crime é de ação penal pública incondicionada?

Basta verificarmos no tipo penal, ou no capítulo em que ele está inserido, se nada falar sobre a ação penal é por que o crime é de ação penal pública incondicionada.

Exemplo:

Art. 121 do CP.

  1. Crimes de ação penal publica condicionada.

São aqueles em que a ação penal depende de uma condição, qual seja, a representação da vítima ou a requisição do Ministro da Justiça em alguns casos.

E como é que sabemos que o crime é de ação penal pública condicionada?

Basta verificarmos no tipo penal, ou no capítulo em que ele está inserido, se constar que o crime só se procede mediante representação, ou por requisição do ministro da justiça, é por que o crime é de ação penal pública condicionada.

Exemplo:

Art. 147 do CP.

  1. Crimes de ação penal privada.

São aqueles em que a ação penal é privada e só se procede mediante queixa que é a peça inicial dos crimes de ação penal privada, que tem como titular a própria vítima ou seu representante legal.

E como é que sabemos que o crime é de ação penal privada?

Basta verificarmos no tipo penal, ou no capítulo em que ele está inserido, se constar que o crime só se procede mediante queixa, é por que o crime é de ação penal privada.

Exemplo:

Crimes contra a honra – arts. 138,139 e 140, com exceção do art. 140§ 2º  do CP.

 

 

6.4.1. Então, como se inicia o inquérito nos crimes de ação penal publica incondicionada ( art 5º do CPP):

  1. DE OFÍCIO .Sendo ofertada uma notitia criminis que caiba ação penal pública incondicionada , cabe a autoridade investigar e verificando a procedência da informação , determinar a instauração do inquérito através de portaria.
  2. REQUISIÇÃO DO JUIZ. O juiz que tenha noticia da pratica de um crime que se apure mediante ação penal publica incondicionada deve comunicar o fato ao ministério publico ou requisitar diretamente a instauração do inquérito policial.
  3. REQUISIÇÃO DO MP.

O Promotor de Justiça ou Procurador de Justiça, que tenha noticia da pratica de um crime que se apure mediante ação penal publica incondicionada, não tendo elementos suficientes para o oferecimento da denúncia, deve  requisitar diretamente a instauração do inquérito policial ( tal, porém, não importa obrigatoriamente intervir nos autos do inquérito e muito menos dirigi-lo, quando tem a presidi-lo a autoridade policial competente. STF:RHC 66.176-9-SC – 2ª turma, em 26-4-88, DJU de 15-5-88,p.11201).

  1. Requerimento da vítima – art. 5º, II segunda parte.

Tal requerimento poderá ser indeferido pela autoridade policial , por entender, por exemplo, que o fato não constitui crime. Já se tem decidido que constitui constrangimento ilegal sanável via Habeas corpus, a instauração de inquérito policial por fato atípico. Do indeferimento do requerimento da vítima cabe recurso administrativo ao Chefe de Polícia.

  1. Prisão em flagrante delito

Pode também o inquérito ser instaurado pela prisão em flagrante, que passa a ser a peça inicial do inquérito.

 

NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PUBLICA INCONDICIONADA.

obrigatório

De oficio

Requisição do Juiz ou MP                                        instauração de inquérito policial

Requerimento da vítima

Flagrante delito

 

6.4.2. Então, como se inicia o inquérito nos crimes de ação penal publica incondicionada ( art 5º do CPP):

A ação penal pública pode estar condicionada à REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA ( delatio criminis postulatória) ou a REQUISIÇÃO DP MINISTRO DA JUSTIÇA ( nas hipóteses de crimes cometidos por estrangeiros contra brasileiros fora do Brasil; de crime contra a honra do Presidente da República ou Chefe de Governo estrangeiro, ou contra esta e outras autoridades , quando praticados através da Imprensa.)

Atenção!!

 

O direito à representação está sujeito à decadência, extinguindo-se a punibilidade do crime se não for ela oferecida no prazo legal, que é de seis meses.

 

NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PUBLICA CONDICIONADA. art.5º§ 4º do CPP.

 

 


REQUERIMENTO DA VÍTIMA                                                             INQUÉRITO POLICIAL

REQUISIÇÃO DO MINISTRO DA JUSTIÇA

 

6.4.3. Então, como se inicia o inquérito nos crimes de ação penal PRIVADA:

 Quando a lei prevê expressamente que determinado crime somente se apura mediante queixa, determina para ele a ação penal privada.

Constitui constrangimento ilegal, a instauração de inquérito sem requerimento da vítima nas hipóteses em que se procede somente mediante queixa. RT 577/385.

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário